sábado, 2 de novembro de 2013

Carta de Despedida de Gabriel Garcia Marques




O dom da escrita fez de Gabriel García Marquéz, Prêmio Nobel da Literatura
(1982), um dos autores de referência do século XX. No ano passado,
Jaime García Marquéz, irmão do autor, anunciou ao Mundo que o escritor
sofria de uma demência senil. Em jeito de despedida, o Nobel escreveu uma carta.
Leia na íntegra.
“Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de
trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria
tudo o que penso, mas, certamente pensaria tudo o que digo. Daria valor
às coisas, não pelo o que valem, mas pelo que significam. Dormiria pouco,
sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos
sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria
quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e desfrutaria
de um bom gelado de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida vestiria simplesmente,
jogar-me-ia de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo,
como também a minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e
esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre
as estrelas um poema de Mário Benedetti e uma canção de Serrat seria a
serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com as minhas lágrimas
para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo das suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida!… Não deixaria passar um
só dia sem dizer às pessoas: amo-te, amo-te. Convenceria cada mulher
e cada homem de que são os meus favoritos e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens, provar-lhes-ia como estão enganados ao pensar que
deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem
quando deixam de se apaixonar.
A uma criança, daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens… Aprendi que todos querem
viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na
forma de subir a rampa. Aprendi que quando um recém-nascido aperta, com
sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do pai, tem-no prisioneiro para sempre.
Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para
baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, a mim não poderão
servir muito, porque quando me olharem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer.”

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