domingo, 17 de agosto de 2014

EU QUERO VORTÁ PRA CASA



Eu quero vortá pra casa, meu pai,
Eu quero vortá,
Num sei que rumo tomá.
Dispois de tanto girá...
Isqueci ou discunheço,
O meu primêro inderêço,
A luiz de onde eu fui brotá.
Hoje que tudo me arrasa
Eu quero vortá pra casa,
Mas num sei... como vortá.
Toda criança deve de trazê
Um cartão dipindurado
A mode informá um sordado
No causo de se perdê.
Eu saí lá do sertão
Entrei nessa murtidão
Que atravanca esse praneta,
Sem um cartão,
Sem uma plaqueta,
Sem quarqué indicação.
Tonto fiquei... num sei vortá
Os caminhos são escuro,
Cheio de ingano,
Tenho só 60 ano
E ainda num sei falá!
Os meus semelhante,
Se anssim eu posso chamá,
Os caminhante, os circunstante,
Já quisero me ajudá.
Na nossa forma de vida
É costume tê piedade
Duma criança perdida,
Tonta e estranha na cidade.
Todo mundo tem dó de mim
Pruque tê dó é humano.
Todo mundo é humano,
Marcado pro memo fim.
Já quisero me levá pra casa,
Quisero sim!
Pro meus pai, pro meus mano,
Mas eu com 60 ano,
Num sei dizê de onde vim
Papai me manda um recado!
Mamãe manda um empregado
Que sabe bem o caminho.
Eu só sei que tô sozinho
Cumo quando aqui cheguei.
Diz que se nasce... é chorando,
Pruquê anssim é que se nasce,
Eu acho inté que nem mudei,
Pois num é qu’eu discunheça
Que cheguei feio e enrugado
Sem cabelo na cabeça,
Piquinininho, desdentado.
Ah pois bem! Esses mimo dado
Me serve agora, cumo já serviro.
Os meus cabelo caíro,
Os meus dente se acabaro,
E as rugas... se elas sumiro um dia,
O certo é que elas vortaro.
E quando a eu vivê chorando
Eu posso dizê tamém
Que choro de quando em quando,
E choro como ninguém
Ah! Mamãe... grita: Zezinho!
Grita: Ô menino! Meu pai.
A mãe chama, o fio vai,
O pai chama, esse é o caminho.
Mas eu... eu apuro os ouvido
E um triste silêncio cai!
Tô perdido, perdido,
Não tenho nem mãe nem pai.
Vivo ? é... acho que tô vivo,
Mas tão sem objetivo,
Entre quem vem ou quem vai.
Nada me dá um motivo,
Nada me prende ou me atrai,
Nada me empurra ou me abrasa
Pra mode eu continuá.
Eu quero vortá pra casa,
Pôco amor, fé muito rasa.
Papai, mamãe sem me chamá,
Eu quero vortá pra casa,
Mas esqueci o lugá!

Giusepe Ghiarioni

Nenhum comentário:

Postar um comentário